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AO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SENADO

SENADOR JOSÉ SARNEY

 

Solicitamos encaminhamento à relatoria do Projeto de Lei do Senado n.64, de 2009.

 

A/O(nome da Instituição) vem mui respeitosamente encaminhar a Vossa Excelência, pedido oficial da Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, para que seja retirada a Psicanálise do Projeto de Lei do Senado, n. 64, de 2009.

 

A Articulação é um movimento interinstitucional que promove reuniões trimestrais de seus representantes, desde 2000, visando acompanhar as questões que possam interessar ao nosso campo de trabalho. Nesse sentido, recentemente, editamos um livro, como criação coletiva, chamado Ofício do Psicanalista: formação vs. regulamentação (em anexo).

 

Entre outras iniciativas, temos visto o esforço feito por parlamentares de regulamentar várias categorias profissionais de trabalhadores brasileiros. Assim entendemos a apresentação do projeto de lei nº 64, de 2009, que encampa um amplo conjunto de ocupações sob o nome de “atividades de terapeutas”. Lendo o projeto com atenção, constatamos, para nossa surpresa, que a Psicanálise foi incluída na lista de atividades que o projeto pretende regulamentar.

 

A Psicanálise é um método de investigação do inconsciente, criado por Sigmund Freud no final do século XIX. Usando a “livre associação de idéias” e a “atenção livremente flutuante”. Freud pode constatar como somos afetados pelo jogo de forças psíquicas das quais não temos consciência. Suas observações modificaram a compreensão do homem sobre si mesmo. Essa nova escuta e o corpo teórico-clínico que se formou, e ainda se forma através dela, interagem com outros saberes que o ser humano tem conquistado como a Medicina, a Psicologia, as artes, a Pedagogia, a Antropologia e outras áreas.

 

A complexidade do campo psicanalítico impõe que aquele que pretenda se ocupar desse ofício passe por uma formação específica, cada vez mais exigente. Desde Freud, há mais de um século, fundaram-se instituições particulares que cuidam dessa transmissão. Elas assumiram a responsabilidade de evitar que a Psicanálise fosse distorcida e praticada por pessoas não qualificadas. A história do movimento psicanalítico e o lugar que ocupa na cultura o confirmam. Desde a criação da Psicanálise, a formação de psicanalistas baseia-se em três atividades complementares e indissociáveis: a análise pessoal, o estudo da teoria e a prática clínica supervisionada. Esse tripé oferece àquele que a busca uma formação baseada em experiência vivida. Nos institutos de formação, ele entra em contato com outros analistas que já passaram ou estão passando pelo processo, desenvolve sua análise pessoal, participa de seminários teóricos e clínicos e tem seu trabalho supervisionado.

 

A formação de cada psicanalista é um processo permanente e singular, que sempre se amplia no diálogo com os textos clássicos e os atuais, produzidos por colegas, e na experiência pessoal vivenciada com seus analisandos. A formação de uma psicanalista e a capacitação para o exercício desse ofício requer do analista que ele possa estar numa posição que dê lugar à verdade do outro. Freud nos mostrou que a Psicanálise não é uma prática de convencimento. Sendo um ofício e uma prática – e não uma profissão – a Psicanálise não se ajusta aos modelos de profissionalização que recebem algum tipo de certificação ou diploma, expedidos por instituições de ensino ou órgãos reguladores públicos. Enfim, o surgimento de um psicanalista depende, essencialmente, de sua análise pessoal.

 

A Psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e não o foi até agora porque os parlamentares brasileiros, desde as primeiras tentativas na década de 1970, reconheceram a complexidade do campo psicanalítico e resistiram a qualquer decisão que pudesse desfigurar e mesmo banalizar um ofício que lida tão intimamente com o sentir, o pensar e o agir humanos.

 

Os psicanalistas não reclamam nenhuma regulamentação do Estado. A Psicanálise avança há mais de um século graças a princípios e métodos rigorosos e a um corpo teórico e técnico que tem a proposta de Sigmund Freud como fundamento. Uma regulamentação da Psicanálise externa a seu campo, geraria um funcionamento contraditório com o surgimento ou a formação de um analista. Dificultaria a operação em vez de melhorar suas condições. Além disso, a legalização seria um endosso das práticas daqueles que não compreendem a ética da Psicanálise.

 

Sabemos que no momento está em tramitação no Senado, na Comissão de Assuntos Sociais, o projeto de lei nº 64, de 2009 e no que tange à Psicanálise parte de premissas e estipula procedimentos incompatíveis com a essência do ofício e a formação de sua prática. É flagrante a diferença de campos epistemológicos.

 

Partindo do princípio de que Vossa Excelência considera importante — como passo inicial da abordagem da questão de regulamentar ou não, como profissão, o trabalho do psicanalista —, ouvir a comunidade brasileira de psicanalistas, é que nos permitimos, como Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, trazer-lhe o pedido formal de que seja retirada do artigo 6º do projeto de lei nº 64/2009 a Psicanálise.

 

Colocamo-nos à disposição de Vossa Excelência para maiores esclarecimentos, se necessários.

 

Respeitosamente,

Rio de Janeiro, 06 de novembro de 2010

 

 

Pela Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras

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